No pós-operatório, tratar pacientes de câncer com fisioterapia e terapias complementares, como argila e pedras quentes, melhora o controle da dor, diminui os efeitos colaterais da quimioterapia e combate a fadiga, o estresse e a depressão
"Isso não é uma sala de fisio, parece um spa!", disse a professora Evelise Feres ao entrar no recinto onde fez oito sessões de fisioterapia integrada com massagem e pedras quentes, no Instituto Paulista de Cancerologia (IPC). Ela teve um tumor benigno na tireóide e precisou retirar esta glândula quase que inteira. A posição na qual Evelise ficou durante a cirurgia era muito incômoda, provocou muita dor no maxilar e comprometeu toda a musculatura do pescoço. Foi numa sala com cama quente, música relaxante e aromaterapia que a professora passou por drenagem linfática para tirar o líquido que se concentra na área afetada, massagem para não formar fibrose no local da cirurgia e para soltar a musculatura do pescoço. No fim das sessões, pedras quentes nas costas. Ela considera que todos esses cuidados, além da fisio em si, ajudaram em sua recuperação: em apenas quatro sessões, seu pescoço já havia voltado ao normal. A aplicação de argila contribuiu para a cicatrização ser rápida. "Eu não tive câncer (o tumor era benigno), mas imagino que para quem tem, além do problema físico, existe o emocional. Aquele tratamento ajuda muito na recuperação", diz. Segundo ela, deveria ser essencial para quem passa por um estresse como esse.
O leitor pode estar se perguntando o que tem a ver pedras quentes com câncer... A mistura de quimioterapia, radioterapia, fisioterapia e terapias complementares – além de acompanhamento odontológico e psicológico – faz parte de um tratamento integrado da oncologia, muito comum nos Estados Unidos, mas pouco conhecido e realizado no Brasil. Ele não só combate o tumor, como também presta cuidado ao estado psicológico do paciente. Foi em dois centros de referência em câncer americanos, o MD Anderson Cancer Center, em Houston, e o Memorial Sloan Kettering Cancer Center, em Nova York, que o cirurgião oncológico Ricardo Antunes, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia, conheceu e vivenciou a integração entre os tratamentos tradicionais e as terapias complementares. Em 2004, Antunes implementou essa visão holística no IPC, onde é diretor. Agora, além da fisioterapia, os pacientes também têm acesso a pedras quentes, argila e hidratação facial e corporal.
Apesar de não existirem pesquisas suficientes para comprovar os benefícios reais dessas terapias no tratamento oncológico, Antunes comprova na clínica algumas evidências descritas em trabalhos científicos. Esse tratamento integrado melhora o controle da dor, diminui os efeitos colaterais da quimioterapia e radiotrerapia (como náuseas, vômitos, cansaço e queda da imunidade), afasta a depressão, combate a fadiga (falta de fome, apatia, isolamento) e melhora a qualidade de vida do paciente – muito prejudicada pelo estresse psicológico causado pela doença e por suas consequências físicas. "O câncer provoca uma falta de qualidade de vida que pode ser resgatada. Mas jamais com tratamentos tradicionais de protocolo", afirma o médico. "Tudo o que é crônico é difícil de lidar porque não tem recurso terapêutico", diz, sobre a falta de esperança em pacientes em estágio avançado da doença. "Hoje eu vejo a diferença que isso (terapias complementares) faz. Os resultados já justificam a continuidade deste trabalho", afirma.
Priscilla Mendoza, fisioterapeuta, explica que as pedras quentes ajudam a soltar a musculatura, muitas vezes enrijecida pela tensão provocada pela cirurgia, melhoram a circulação e relaxam. Já a argila ajuda na cicatrização, é usada na região da radioterapia, que fica queimada, e também hidrata a pele, que geralmente fica ressecada por ação da quimio. Este último benefício também é alcançado pela hidratação facial e corporal. "Essas terapias diminuem a dor, promovem relaxamento e aumentam a confiança dos pacientes. Eles saem daqui mais leves, e voltam rapidamente às suas atividades normais", afirma Priscilla. Essa teoria é confirmada pelo comerciante Sérgio Luisi, que descobriu estar com câncer na língua durante as sessões de quimioterapia para um recém descoberto câncer no intestino. Ele se submeteu, em março, a um esvaziamento cervical para retirar gânglios do pescoço. Hoje diz que está "praticamente zerado". Além de drenagem linfática no pescoço, que ficou inchado, ele recebia massagem e pedras quentes. "Era relaxante, e aliviava qualquer coisa, inclusive a dor. Eu saía de lá renovado, desestressado", diz. Ele diz que o tratamento integrado contribuiu para sua recuperação: "80% dela foi em função disso".
Segundo a fisioterapeuta, de 60% a 70% dos pacientes aderem ao tratamento integrado. Esse número não alcança 100%, de acordo com Ricardo Antunes, porque essas terapias não são cobertas pelos planos e seguros de saúde. O valor relativamente baixo se comparado ao mercado (a sessão de 1h custa R$ 50 no pacote com oito sessões) não incentiva todos os pacientes. Para o oncologista, existe a necessidade de se ampliar o acesso populacional às terapias complementares no Sistema Único de Saúde (SUS). "Se isso muda a sobrevida do paciente, ninguém vai ter essa resposta. O que tem de certo é que isso muda a vida dos pacientes com câncer. Isso faz com que eles revivam, que tenham estímulo", afirma.
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